19 dezembro 2022

# partida


partida é uma palavra com efeito de palíndromo sem o ser, que liga o início ao fim e o fim ao início, o antes ao depois, em ambas as direções. a partida é o ponto de onde se parte, onde se começa. partida é a saída, o momento da despedida, uma porta giratória cujo eixo variável se ancora nos verbos ir e vir. com ou sem rumo, com ou sem certezas de que quem parte poderá alguma vez chegar, mas partindo do pressuposto de que partir é, não só, vir de algum lado, como ir para algum lado: um pé no passado e outro no porvir. significa isto que partir – que também significa quebrar, fragmentar, despedaçar – tem sempre a ver com algum tipo de separação?

dizer “à partida” é já desconfiar, introduzir a possibilidade da exceção à regra. até porque, para além de jogo, competição, ou match, partida é também uma brincadeira que, normalmente, pretende enganar a pessoa a quem se destina. pregar uma partida a alguém pode ser pregar-lhe um susto, fazer-lhe uma rasteira ou contar-lhe uma mentira, iludi-la de alguma forma, às vezes para fazer troça. a palavra partida prega-nos partidas no seu próprio estilhaçar de significados, mas mantém-nos junto da ideia de unidade. não só pela sua proximidade com a origem – o ponto de partida – mas também pela assunção de que, para algo se partir, antes deveria estar intacto. ou talvez não seja assim. talvez a partida como começo seja afinal a partida derradeira, o ponteiro para a ideia de que nada é inteiro, nem no princípio.