a forma como falas das coisas
inscreve-se materialmente
na sua forma
e consequentemente
nos seus efeitos
no seu alcance
e no seu poder de transformar
aquilo que dizes
não se desprende do modo como o dizes
nem da voz que o molda e se projeta para fora
estás a falar de onde e para quem?
perguntas que nos esquecemos de fazer antes de abrir a boca e jorrar a tinta
esta língua não é nossa
falar é sempre citar
mas a citacionalidade é uma
espada de dois bicos
experimenta rastrear o uso das palavras que usas
enquanto descobres os outros usos que elas já prometem na possibilidade de, com elas, assaltar a própria linguagem
não há premissa ou proposição que nos valham no vácuo
daí a importância da ancoragem
a necessidade do sistema e dos códigos
a percepção de que o poder se disputa
e de que não há registo de quem tenha abdicado dele porque sim
ainda podemos confiar no diagnóstico marxista;
a camada de pó que vês é meticulosamente acumulada pela força do poder que não cede, até que tape por completo o vislumbre da revolução
a consequência de algo que se adia, a cada cedência no movimento da oposição – o destino da classe explorada num sistema de acumulação de Capital
o clichê de relembrar que radical vem de raíz:
não te parece estranho continuar a defender os instrumentos que gerem este modo de organização social ao mesmo tempo que te surpreendes com quem cavalga essas estruturas com o pretexto de as destruir enquanto mantém intactas as relações de poder – agravando ainda mais o fosso?
das duas uma:
defender as estruturas e as instituições da classe dominante – a Lei, a polícia, o parlamento – independentemente de quem se apropria delas (ou seja, deixar a democracia burguesa funcionar) ou, talvez, numa jogada um pouco mais comprometida com a “mudança”, se for essa que se almeja, fazer de tudo para as desmantelar – isto só pega na difusão da admissão do seu desgaste, gerando a inevitabilidade das alternativas reais
admitindo até que é possível falar bem da “estabilidade” como conceito abstrato…. para que o poder burguês se mantenha estável, mascara-se a violência que o permite
toda a instabilidade que a sustenta, e calcifica o ressentimento
a corda vai-se gastando, na ilusão do compromisso, nas táticas de burocratização das “lutas”
haja coragem para reivindicar a violência contra o poder burguês, contra o patriotismo vestido de colonialismo do bem, contra a social-democracia que se nos impõe como o máximo horizonte almejável com o seu cenário pintado
queremos enfrentar nazis antes de desnazificar o nosso próprio discurso, a nossa própria bolha?
sem poder de decisão,
existe ainda agência para aprender a des-cindir,
– como diz a Fernanda Eugénio
a exclusão é um processo constitutivo do poder; e há mãos que é mesmo preciso largar
o projeto das democracias neoliberais ocidentais, assente como está no colonialismo, é uma muralha que fortalecemos quando não vemos que é logo aí que precisamos de partir pedra.
sejamos nós a erva daninha a vingar sobre o bolor.
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B Fachada em Enterrados no Jardim (2025)
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| Fernanda Eugénio e João Fiadeiro, "O Encontro é uma Ferida" (2012) |
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| Maria Lis, Enclave (2024) |

